Os desafios da adoção

Quando se fala sobre adoção, um tema recorrente é a questão do perfil e do preconceito. Desde sempre este assunto está presente. Por que as contas não batem? Por que existem tantas crianças precisando de um lar e tantos adotantes habilitados e a fila não anda?

Há quem grite a plenos pulmões que os adotantes são seres abomináveis, preconceituoso que idealizam a criança, que querem adotar um filho com características físicas similares às do casal e sem problemas de saúde. Sim, a culpa é toda deles! Esses lobos em pele de cordeiro! (ironia, tá gente)

Eu fico em cima do muro quando o assunto é “encontrar o grande culpado” da burocracia da adoção. Fico em cima do muro porque, por um lado, é muito fácil jogar toda a culpa nos adotantes sem esmiuçar o que as instituições públicas deixam de fazer. Falta gente nas Varas de Infância, falta gente trabalhando e, em muitos casos, falta gente comprometida. Ou seja, quem está lá muitas vezes tá nem aí mesmo. Não é uma generalização, existe sim gente do bem nesse meio, mas existe gente que caga e anda.

As crianças crescem nos abrigos não única e exclusivamente porque os habilitados são animais preconceituosos que possuem restrição com relação à raça, cor da pele, doenças. Crianças crescem nos abrigos também porque não é feito o acompanhamento a cada seis meses para verificar se existe possibilidade de reinserção na família biológica ou se o caminho mais saudável para ela é disponibilizá-la para adoção. Diz a lei que uma criança não pode ficar institucionalizada, ou seja, abrigada por mais de 2 anos. Será que esse direito é sempre garantido?

Existem adotantes preconceituosos? Sim, existem, claro. Na verdade, existe uma linha tênue sobre o que pode ser considerado preconceito, na minha opinião. É uma questão bem delicada essa…A adoção não pode ser motivado por um ato de bondade, ou seja, por vontade de fazer o bem, de fazer caridade. E, apesar de muitas vezes a adoção ser motivada pela impossibilidade de gerar um filho biológico (esse foi o meu caso), ela também não pode ser motivada por uma frustração nesse sentido. A principal motivação de quem adota deve ser a de formar uma família e ponto final.

Mas para que esse processo dê certo, é preciso ser muito sincero consigo mesmo, com seus limites e com suas expectativas. Vou falar sobre mim, gente. Dentro das minhas expectativas eu queria uma criança de 1 a 3 anos de idade. Embora eu não tivesse o sonho de adotar um bebêzinho, eu não estava preparada psicologicamente para encarar uma adoção tardia. Esse era um dos meus limites. O meu segundo limite era com relação aos problemas de saúde: eu não estava preparada para adotar uma criança com necessidades especiais.

Sou preconceituosa por conta disso? Por não estar preparada para adotar uma criança com 8 anos ou com paralisia cerebral? Faço parte da escória da humanidade? Reflitam…

Porém, a grande questão abordada quando fala-se sobre adotantes preconceituosos é no tocante à raça, à cor da pele. Esse foi um detalhe que realmente nunca me incomodou. Venho de uma família miscigenada e meu marido também. Talvez isso tenha facilitado o fato de estarmos aberto a uma criança negra, parda, cinza, amarela? Pode ser… Mas conheço adotantes que não possuem raízes negras na família e que não tinham restrições nesse sentido. Vai de cada um, essa é a verdade.

Quando as pessoas justificam seu preconceito racial elas geralmente dizem que têm medo de fazer a criança sofrer. Afinal, um casal loiro de olhos claros, ou um casal de pele clara, andando por aí com uma criança negra e chamando-a de filho(a) vai chamar bastante atenção. E vai despertar a curiosidade alheia e vai ter que responder perguntas desagradáveis ou vai ter que encarar olhares inquisidores ao seu redor. E isso incomoda a todos.

Será que incomoda a todos? Será que é prejudicial pra essa criança? Quando escuto isso me vem em mente uma coisa: falta de aceitação da adoção como algo normal. É óbvio que ver um casal branco, loiro, enfim chamando uma criança negra de filho(a) vai chamar atenção. E por que haveria de existir algum desconforto nisso? Em responder perguntas? Em evidenciar que a sua família foi formada de uma maneira diferente?

Ele é seu filho mesmo? Sim, ele é. Mas ele é filho de outro pai? Não, ele é nosso filho adotivo. E aí existem vários desdobramentos possíveis. Existem pessoas que vão focar na questão da adoção, que coisa linda, que magnífico, que ato maravilhoso, como foi, demorou, é difícil adotar? E aí eu falo novamente: por que seria algum incômodo falar sobre isso? Sobre o processo de adoção?

Um outro caminho seria você simplesmente dizer que nada disso interessa a quem pergunta. Afinal de contas, ninguém tem nada a ver com a sua vida, não é verdade? Ele é seu filho mesmo? Sim, ele é! Mas é filho de outro pai? Ah, eu acho que você está querendo saber demais, viu. Não tenho intimidade com você para falar sobre a minha família. E segue a vida.

Uma grande amiga minha levou a filha dela (adotiva e negra) ao médico. Encontrou um paspalho que perguntou por que ela era “assim”. Assim como? Assim, morena (para não dizer negra) já que a mãe era branca. A mãe sabiamente respondeu: porque ela nasceu assim. Acabou a história.

Outro ponto que eu quero falar, seguindo essa linha de raciocínio é que, tenham em mente que os desafios das perguntas e das situações não termina somente quando a questão da cor da pele está resolvida. Ou seja, ter um filho adotivo parecido com você fisicamente não significa que os desafios acabaram.

Toda vez que você levar seu filho ao médico, vai ter que falar sobre isso, pois em muitos casos a gente não tem um histórico muito claro da saúde dele. A gente não sabe nada sobre as doenças familiares, sobre qualquer herança genética. E aí, vamos fingir que nada está acontecendo? Não tem como.

É preciso pensar também nas atividades escolares. Em algum momento vai ter alguma questão que envolve a família, uma foto sua quando era bebê, uma foto da mamãe grávida… E isso você vai precisar enfrentar com elegância, com amor, com tranquilidade. Afinal, a história do seu filho e de como vocês se tornaram uma família também é uma história muito bonita de se compartilhar.

Por que seria algum incômodo abordar isso tudo? Pense que a nossa sociedade não sabe como lidar com a adoção de maneira geral e não somente quando se depara com uma família inter-racial. Há quem fale que você foi muito corajosa, há quem diga que jamais faria isso, que nunca conseguiria amar um filho de outra pessoa. E esse tipo de posicionamento independe de cor da pele. Na verdade, quando a criança é loira de olhos claros, talvez as pessoas sintam até pena e digam “como é que alguém pode abandonar essa criança tão bonita?”

A sociedade precisa ser educada sobre a adoção e esse papel é nosso, pais adotivos, quer você queira, quer não. E fazer isso, educar a sociedade, na minha opinião não deve ser visto como um incômodo, mas como a oportunidade de construir um mundo melhor para os nosso filhos.

Então, se você está se preparando para adotar, se já está habilitado, qualquer que seja a etapa onde você se encontre, pense sobre isso com carinho e se prepare para viver uma vida familiar diferente desde o início sendo que isso não é nenhum demérito. Pelo contrário, é um papel importante que nós estamos exercendo.

4 pensamentos sobre “Os desafios da adoção

  1. Bibi 13 de outubro de 2016 às 4:10 PM Reply

    Sabe eu sofro preconceito, mesmo não tendo adotado? pois é, preconceito todo mundo sofre, porque o povo é preconceituoso mesmo, não perdoa. Mas não me importo não. Temos que deixar um mundo melhor pros nossos filhos e ensiná-los a não serem assim. E viveremos mais leves e felizes.
    Nina vem pedindo uma irmãzinha. E estamos pensando em adotar também, Lene. Por que adotar? Porque quero aumentar minha família, mas não quero passar por outra gravidez. Quero dar uma irmã a ela e ter mais filhos. E a adoção é o caminho para isso. Tá bom essa justificativa ou precisa mais, será?
    Mas antes precisamos organizar nossas vidas pra receber mais uma pessoinha na família! 🙂
    bjos

  2. Lene 13 de outubro de 2016 às 5:29 PM Reply

    Bibi, que coisa boa saber que vocês pretendem aumentar a família!! E acho que não precisa de mais nada, viu… Sua justificativa é excelente! Boa sorte nessa caminhada!!! Bjos grandes.

  3. Miranda 17 de outubro de 2016 às 10:59 AM Reply

    Se todos os problemas na adoção fossem os “pais adotivos preconceituosos” a questão era fácil de resolver. Vc está certíssima quando afirma que vai além disso, ninguém fica na fila anos seguidos porque é bonito, ficamos porque não temos opção e o sistema não funciona. Sou mãe de alma como costumo dizer (digo sempre que foi um encontro de almas a chegada da minha filha) e ouço cada coisa que me pergunto se é real o que estou ouvindo, até de vó já me chamaram rsrsrs, nesses momentos mentalizo azul e respondo sou a mãe. Preconceitos, falta de vontade, perguntas imbecis e muitas outras coisas vão rodear nossas vidas para sempre porém o que importa é que fomos lá, brigamos, sofremos e hoje somos MÃES de pessoinhas lindas e que vão levar para esse mundo doido valores que realmente interessa. Um grande abraço a todas que vivenciam o “pré conceito”.

  4. Iza Pereira (@IzaPerSil) 9 de fevereiro de 2017 às 2:44 PM Reply

    Muito bom!

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